DA INCONSTITUCIONALIDADE DE PROCEDIMENTOS ESTABELECIDOS NA NOVA LEI “SECA”

Por  Fernando Augusto Forti

A Lei n° 12.760 de 20 de dezembro de 2012, alterou a Lei n° 9.503 de 23 de setembro de 1997, Código de Trânsito Brasileiro, dando nova redação aos artigos 165, 276, 277 e 306.

Referidos artigos tratam de forma mais rígida o combate ao consumo de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência. No caso, são adotadas medidas de recolhimento do documento de habilitação, retenção do veículo, multa aumentada por vezes, para qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar (ar expirado pela boca de um indivíduo, originário dos alvéolos pulmonares).

Com essa nova redação, o Conselho Nacional de Trânsito – Contran, editou a Resolução n°. 432, de 25 de janeiro de 2013, disciplinando os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes para a fiscalização.

Para a constatação da infração, são utilizados testes em aparelho destinado à medição do teor alcoólico (bafômetro), exame de sangue, verificação de sinais que indiquem a alteração da capacidade psicomotora do condutor, prova testemunhal, imagem, vídeo ou qualquer meio de prova em direito admitido.

Os sinais de alteração da capacidade psicomotora são verificados por médico perito, através de exame clínico e constatação pelo agente da Autoridade de Trânsito, por meio de um conjunto de sinais, observando quanto à aparência, se o condutor apresenta sonolência, olhos vermelhos, vômitos, soluços, desordem nas vestes, odor de álcool no hálito; quanto à atitude, se o condutor apresenta agressividade, arrogância, exaltação, ironia, falante, dispersão; quanto à orientação, se sabe onde está, sabe a data e hora; quanto à memória, se sabe seu endereço, se lembra dos atos cometidos; quanto à capacidade motora e verbal, se possui dificuldade no equilíbrio e fala alterada.

Primeiro, se utiliza do etilômetro (bafômetro), o qual deve ser priorizado. Se for constatado até 0,33 mg/l, o condutor responde por infração descrita no artigo 165, do Código de Trânsito Brasileiro (Art. 165.  Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:  Infração – gravíssima; Penalidade – multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses.  Medida administrativa – recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4o do art. 270 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 – do Código de Trânsito Brasileiro.   Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses).

Por outro lado, caso seja constatado número acima de 0,34 mg/l, o condutor responderá em conjunto pelos artigos 165 e 306 [1] do Código de Trânsito Brasileiro.

Caso haja recusa ao teste do etilômetro, o condutor será convidado a realizar o exame de sangue feito por médico perito. Havendo nova recusa, o agente lavrará auto de infração narrando os sinais que indiquem a alteração da capacidade psicomotora do condutor, prova testemunhal, imagem, vídeo, se houver, devendo ser analisados em conjunto, podendo ser aplicadas as penalidades e medidas administrativas do artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro, ou seja, multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses mais o recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo.

Entretanto, nossa Constituição Federal consagra como nosso direito e garantia fundamental, dentre outros princípios, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII); “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogados” (art. 5º, LXIII); “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV); “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV).

Há ainda o princípio da não autoincriminação previsto no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos que, em seu artigo 14, inciso III, alínea “g”, dispõe que “Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, a, pelo menos, as seguintes garantias: de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”.  Já a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), também prevê em seu artigo 8º, “Garantias judiciais, “g”, direito de toda pessoa não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.

 

Nesse contexto, nossa Constituição Federal, em seu artigo 5°, § 3°, dispõe que “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Assim, nenhuma norma infraconstitucional pode contrariar esse princípio, pois seria revestida de inconstitucionalidade.

Assim, em uma rápida análise, percebe-se já no artigo 277[2] do Código de Trânsito Brasileiro violação aos princípios constitucionais aludidos, pois a recusa do condutor em realizar o teste, ou mesmo se ficar calado, serão motivos suficientes para a presunção de culpa.

Além disso, a nova redação do artigo 276 do Código de Trânsito Brasileiro considera qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar já sujeita o condutor às penalidades.

Enfim, esses procedimentos todos abrem espaço para diversas interpretações na aplicação da nova lei e, sobretudo discussões, já que o condutor não poderá ser obrigado a fazer prova contra si mesmo, bem como sua recusa não poderá lhe ser interpretada como presunção automática de culpa, sendo necessário que tenhamos um mínimo de segurança jurídica para que possamos concomitantemente atuar em defesa à justiça e aos direitos fundamentais.

Fernando Augusto Forti

Advogado – OAB/SP 227.165

fernandoforti@adv.oabsp.org.br


[1] Art. 306.  Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. § 1o  As condutas previstas no caput serão constatadas por: I – concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou  II – sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora. § 2o  A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.  § 3o  O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

[2] (O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência. § 3o  Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo)