Discurso de FERES SABINO – DESAGRAVO DOMINGOS STOCCO

­        4Dr. Ricardo Toledo Santos Filho,

DD. Presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas, representando dr. Marcos da Costa,

DD. Presidente da Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil,

Dr. Aguinaldo Alves Biffi,

DD. Presidente do Conselho Regional de Direitos e Prerrogativas da 6ª. Região da Ordem dos Advogados – Seção de São Paulo.

Dr. Domingos Assad Stocco

DD. Presidente da 12ª. Subseção da OAB/SP

Senhores membros da Mesa.

Srs. e Sras. Advogados e Advogadas.

Meus senhores e minhas senhoras.

Trago a esta tribuna a responsabilidade e a gratidão de poder participar deste ato solene de reparação da prerrogativa profissional ofendida, mediante a leitura do evangelho de hoje, para saudar o desagravado, em nome da Secional da Ordem dos Advogados do Brasil.

Evidente que o ato-fato, que aparentemente só vincula duas pessoas, aqui o nosso Presidente, Domingos Assad Stocco e um Juiz Substituto da Comarca dr. André Quintela Alves Rodrigues, não se encerra na relação de ofendido e ofensor. Se assim fosse a prática da sessão solene de desagravo não seria celebrada com o ritual público, que se impõe para ela.

À essa ofensa da prerrogativa do advogado Domingos Assad Stocco,  aproximo outra ofensa, ocorrida há quase cinquenta anos. Em ambas, nenhum advogado se furtou à altivez da resposta imediata à arrogância da autoridade.

Mas, para olhar, com espírito crítico, essa ocorrência que sempre atinge a classe do advogado – e até mais do que ela – anoto que a ofensa à prerrogativa de ontem e a ofensa de hoje, em si, são sempre iguais, mas, ela sempre se projeta, oferecendo-se à reflexão, na perspectiva do modo e do tempo. Como procuro fazê-la, agora, em voz alta.

Há cinquenta anos iniciava-se a  opacidade militarista, com a sua gradual   evolução do autoritarismo à ditadura, que incentivou o negativo de algumas ou tantas  pessoas, que ora torturavam prerrogativas profissionais, ora prerrogativas institucionais, ora pessoas inocentes, que, muitas vezes, eram assassinadas; ora limitaram as prerrogativas históricas de Poderes e da cidadania, que  a construção da democracia  vagarosamente desenhara,já, para sua sempre mutante estrutura institucional.

Hoje, a democracia representativa e participativa, consagrada pela Constituição de 88, com a iluminação plena de nosso vento e de nosso ar, dignifica a pessoa humana, como principio e fundamento e, assim e por isso, estimula o positivo de cada um, apesar de presenciarmos, através do ato-fato que nos agrupa nesse instante, a ofensa ao direito, nascida no âmbito do Poder Judiciário que, no sistema da tripartição dos poderes, lhe cabe justamente reconhecer e proclamar os direitos.

Há cinquenta anos, a dignidade da pessoa era, sim, a destinatária da regra jurídica, pervertida pela ditadura. Mas, como principio e fundamento do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa só seria consagrada, em 1988, quando substituiu, no texto constitucional o protagonismo, que fora sempre do Estado, e que foi desfeito,  juntamente com o pacto das elites, que presidia.

Esse protagonismo não é moldura de arte popular, pois, como regra jurídica originária, ela se irradia e se espalha com densidade normativa, por toda ordem jurídica brasileira,  contaminando todas as  demais regras, constitucionais ou infra – constitucionais.

Está sob essa incidência benfazeja inclusive aquela regra na qual a Constituição declara, inovadoramente, que o advogado é indispensável à realização da justiça. Simultaneamente, esse fluxo de energia jurídico –política envolve e umedece a afirmação infra -constitucional, de nosso Estatuto (do Advogado), que é categórico na  reafirmação de que “Não há hierarquia nem subordinação, entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”. E, segue, como um rio, o seu  fluxo normativo para abraçar o item IV, do art. 35, do Estatuto da Magistratura Nacional, que é imperativo nos deveres do Magistrado, e do qual destaco o de “ tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas …” e todos com os quais se relacionam.

Nessa ordem constitucional e legal aparece como anomalia, quiçá uma disfunção, o ataque à prerrogativa funcional, ora quando ele só vincula a figura do ofensor e do ofendido, ora  quando provém de ordens judiciais, surpreendentes, inesperadas, emanadas de  instancia superior, sem a prévia audiência e participação  da Ordem dos Advogados. Nessa última hipótese, tem-se o ataque de desrespeito coletivo, exalando o discreto charme da autossuficiência. Contra essa surpreendente atuação, está o ato jurídico-politico da Constituição, expressão da soberania popular, que declara ser indispensável a presença do advogado, na administração da Justiça.

É essa indispensabilidade constitucional, votada e celebrada pela soberania popular, que desenhou a estrutura institucional mutante da democracia representativa e participativa, sob a qual vivemos e devemos exercitar nossas responsabilidades, como cidadãos, e como tal os servidores públicos, inclusive os magistrados e os promotores públicos.

O triste é constatar que qualquer ordem superior provinda de instancia judiciária superior, que afete o trabalho do advogado, sem que seu órgão de classe — nossa OAB — participe previamente de seu debate, é uma redução da relação igualitária que nos vincula, como advogados, aos magistrados e promotores, reconhecidamente iguais na importância da administração da justiça. E isso ocorre quando  vivemos o regime jurídico-politico da participação,  sendo que a indispensabilidade do advogado, na administração da justiça, é compreendida, sistemicamente, como sendo a própria sociedade civil representada, no caso, pela Ordem dos Advogados.  Não é mais aceitável o Estado – nas suas três funções, executiva, legislativa e judiciária — separado e distante da sociedade civil, sendo que os mecanismos dessa convivência, atualmente inseparável, como irmãos siameses, deve suscitar a criatividade de todos, levando os espíritos separatista de antigamente à uma espécie de pré-história institucional, já que “A imensa transformação do Estado, iniciada após a 2ª. Guerra Mundial apresenta como chave “a passagem do Estado monoclasse para o Estado pluriclasse, com tudo o que isso significa em termos de necessidade de satisfazer as demandas crescentes que se colocam perante o Estado, no terreno econômico e social, pela totalidade da população e não só pelas classes privilegiadas. Já não se fala em interesse público apenas, mas em vários interesses públicos, representativos dos vários setores da sociedade civil”, na magistério de Maria Sylvia Zanella de Pietro (in Revista de Direito Sanitário, vol. I, novembro de 2000)

Se não há hierarquia nem subordinação, a Ordem dos Advogados está não só correta, como oportuna, proclamando na Carta de Atibaia a necessidade de criminalizar a ofensa à prerrogativa funcional. Ela está correta e oportuna, em se insurgir, contra a aplicação de multa ao advogado, por Juízes, pois, não há subordinação e hierarquia, entre nós e eles.

E a Ordem dos Advogados, com Marcos da Costa à frente, nosso e meu Presidente Secional, está mais do que certa, e sempre oportuna, ao se insurgir contra a incrível e ilegal delegação dada aos Cartórios extrajudiciais, para que façam a conciliação, entre as pessoas que possam litigar, por algum motivo.  O grave nessa questão é que se agride a classe dos advogados, como se fosse dispensável — e não indispensável, como está no figurino da Constituição — sem perceber que o ato tende a provar a própria inutilidade social do aparelhamento da justiça.  Seguidamente grave, mas coerente, é ignorar a lei das serventias, que expressa sua competência e seu funcionamento, nem supondo o transplante bastardo dessa nova função. Certa está a Diretoria desta Subseção em solicitar o retorno imediato da TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL da JUSTIÇA FEDERAL, que foi extinta,   em maio de 2007, assim de repente, causando um prejuízo incalculável à jurisdição federal de nossa cidade, de Franca, Barretos, Araraquara e São Carlos, que compõe a 2ª. Subsecção Judiciária, prejuízo esse que atinge, paradoxalmente, a classe mais necessitada, que é a dos mais pobres, pois, a consequência perversa é o amontoado, ou empilhamento, de mais de 200.000 (duzentos mil) processos, que se encontram em São Paulo, esperando sua vez, quando diariamente entram mais e mais e mais processos. Esse transplante decretado do dia para noite, autocraticamente, inverteu o sentido da aplicação da Constituição Federal, que com a Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, celebrou a descentralização, para certamente celebrar a regra constitucional da “razoável duração do processo”

Estou mais do que convencido de uma questão que me inquieta, há anos e, acredito, que a nossa consciência cívica, social e politica deveria inscrevê-la na reflexão diária, em prol da construção democrática, que sempre está aberta à transformação e ao aperfeiçoamento; ei-la, instigada pela síntese dessa interrogação: onde

entra a soberania popular, fonte de todo Poder, no controle social da função Judiciária? Onde entra a soberania popular, fonte de todo Poder, no controle social da função ministerial do Ministério Publico?

Cada prerrogativa funcional ofendida apequena e reduz a legitimidade do Poder ou da Instituição ao qual pertence o ofensor, porque é igualitária a relação jurídica, que liga o ofendido e o ofensor, na administração da justiça brasileira.

Nosso e meu Presidente, Domingos Assad Stocco, a dignidade da prerrogativa funcional está composta e recomposta, com o chancela preliminar, prévia e oficial, da Comissão de Direitos e Prerrogativas, que comparece com  o Presidente, Aguinaldo Alves Biffi, a essa sessão, conferindo consciência e vida à simbologia da reafirmação pública da sua solidariedade.

Se, naturalmente, é necessário desagravar o profissional ofendido, torna-se melancólico saber que seu ofensor atacou, para fazê-la nanica, a relação igualitária inscrita na Constituição, na lei, na consciência e na ossatura da administração da justiça do Brasil.

Senhor Presidente,

O que sabemos é o que sei: Não há espírito autoritário de ocasião, nem regime de força, que frustra o mensageiro e o combatente de todas as liberdades, que é o Advogado.

FERES SABINO

Auditório da Casa do Advocacia

Ribeirão Preto, 07/11/2013