PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA

Christiana Maria Roselino Coimbra Paixão

Verdade Biológica x Verdade Socioafetiva

Não são raras as vezes em que o profissional que atua no âmbito do direito de família, no curso de uma disputa judicial se depara com a seguinte situação: o cliente foi surpreendido por uma ação negatória de paternidade cumulada com nulidade de registro, proposta pelo genitor que, na verdade, sabendo não ser o pai biológico, registra como seu filho que sabe ser de outrem (fato conhecido como adoção à brasileira).

Há um considerável número de ações tramitando pelos Tribunais pátrios visando desconstituir o vínculo de filiação com consequente anulação do registro de nascimento exclusivamente com base na realização do exame de DNA, ou seja, com base na comprovação de inexistência de vínculo biológico.

Assim, considerando a adoção à brasileira, questiona-se: seria possível anular o registro de nascimento em que o genitor, conscientemente declara como sendo seu, filho que sabe ser de outrem?

A posição mais moderna entende que deve prevalecer o vínculo socioafetivo, porque a desconstituição do registro civil de uma relação já consolidada no tempo acarretará muito mais danos que benefícios aos envolvidos. Argumentam que há de se outorgar segurança jurídica às relações familiares e, principalmente, que o afeto deve prevalecer sobre critérios meramente biológicos.

O registro de nascimento deve exprimir a verdade real sobre a filiação, contudo, para a família do novo milênio, essa verdade não é necessariamente a verdade biológica. A afetividade é hoje um princípio jurídico e, portanto, tem força normativa. Neste contexto, pode-se afirmar que o afeto tem valor jurídico capaz de constituir estado de família e vínculo de filiação. Assim como nem toda paternidade é biológica, a verdade real da filiação nem sempre se restringe à origem genética.

A posição mais conservadora defende que o registro de nascimento deve sempre representar a verdade biológica, em razão do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, que traz em seu bojo o direito à identidade biológica e pessoal. (art. 1º, inc. III, da CF/88)

Atualmente, essa controvérsia ultrapassa os limites das reflexões doutrinárias e alcança o Poder Judiciário, causando muitas vezes um entrave no desenvolvimento dos processos, ante a discussão sobre qual o critério que deverá prevalecer.

É preocupante a situação, na medida em que permite a manutenção de constantes incertezas sobre o instituto da filiação, causando instabilidade por alterar o conceito de paternidade radicalmente, fazendo surgir posições paradoxais no que tange às decisões proferidas em ações negatórias de paternidade e anulatórias de registro de nascimento.

Posto isso, se infere que a parentalidade socioafetiva merece positivação específica, pois o conceito de filiação deve retratar a realidade da família moderna brasileira.